Saudações!! A proposta de compartilhar ensaios
que escrevi durante uma disciplina do doutorado continua. Nesse ensaio relacionamos os temas contidos
no título.
PSICOTRÓPICOS,
SOCIEDADE E EDUCAÇÃO ESCOLAR
DOMINGUES, Taciano Luiz Coimbra
O uso de substâncias psicotrópicos pelos seres
humanos não é algo recente, existem indícios de seu uso desde a antiguidade. Sodelli
(2010) sublinhou relatos antropológicos de várias culturas em que o ser humano procura
alterar o seu estado de consciência, utilizando vários métodos: dança, música,
privação, dor e poções.
Em seu livro O mal-estar na Civilização, Freud
(1996) alegou que estar consciente o tempo inteiro de tudo que acontece ao seu
entorno é algo insuportável, portanto, as pessoas constroem saídas para escapar
da realidade, entre elas os entorpecentes. Algo bem colocado na música Meu Caro
Amigo de Chico Buarque: “muita mutreta pra levar a situação, que a gente vai
levando de teimoso e de pirraça, e a gente vai tomando que também sem a cachaça,
ninguém segura esse rojão”.
O III Levantamento Nacional sobre o uso de
drogas pela população brasileira (BRASIL, 2017) informou que na faixa etária de
12 a 65 anos aproximadamente 8% da população brasileira já usou maconha e 3,1%
cocaína. O uso de drogas legais como analgésicos opiáceos ocorreu em 0,6% e
benzodiazepínicos ansiolíticos em 0,4% da população brasileira.
O uso de drogas legais e ilegais também é
permeado por interesses econômicos. Leonardi e Matos (2020) comunicaram que no
Brasil a indústria farmacêutica vendeu 215 bilhões em medicamentos em 2019. A
indústria de Alimentos, que engloba bebidas e exportações, teve o número de
vendas três vezes maior. Não podemos esquecer que a produção de drogas ilegais
tem um ganho astronômico também.
O uso de fármacos vai além do uso terapêutico
ou recreativo. No século XIX, o Império Britânico utilizou o grande poder de
dependência do Ópio para possibilitar a entrada comercial no Império Chinês,
movimento conhecido como Guerra do Ópio (DUARTE, 2005).
Os psicotrópicos são substâncias que promovem alterações
no funcionamento nas vias/redes neurais e podem fomentar mudanças
comportamentais, além de causar dependência. Farias e outros (2016) salienta
que na sociedade ocidental existe um uso indiscriminado desses compostos com o
objetivo de tratar tanto doenças físicas quanto mentais.
O uso irresponsável de psicotrópicos não é
restrito a determinada faixa etária. Um bom exemplo dessa afirmação, é o uso do
psicoestimulante Cloridrato de Metilfenidato, muito conhecido pelo seu nome
comercial Ritalina ou Concerta (CONCEIÇÃO et al., 2019). Segundo os autores,
esse composto aumenta a capacidade de concentração através da estimulação da
liberação dos neurotransmissores dopamina e noradrenalina.
Esse medicamento é geralmente utilizado para o
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, o qual os sintomas são
relacionados a desatenção, hiperatividade e impulsividade. Gomes, Gonçalves, Santos (2019) mencionaram
que de 2007 a 2014 foi constatado o aumento 775% nas vendas do Metilfenidato.
Outra informação importante revelada por esses autores é que muitas crianças
estavam tomando essa medicação sem terem sido diagnosticadas com o transtorno
acima citado.
A Ritalina, nome comercial do metilfenidato, é um
psicoestimulante, prescrito majoritariamente no tratamento de crianças
diagnosticadas com TDAH. Sendo um estimulante, da família das anfetaminas (como
a cocaína), se consumida em certa dosagem, defende-se que auxiliaria no
desempenho de tarefas escolares e acadêmicas, pois aumenta a atividade das
funções executivas, aumentando a concentração, além de atuar como atenuador da
fadiga (SILVA et al., 2012, p.46).
O
uso dessa medicação e esse transtorno estão diretamente relacionados ao
ambiente escolar. Ribeiro, Viegas, Oliveira (2019) comentam que muitas vezes
são os trabalhadores da educação escolar que solicitam a avaliação do aluno em
relação a TDAH e o uso metilfenidato. Situação preocupante, uma vez que a
escola teria que ser um espaço acolhedor para práticas alternativas de como
tratar problemas de comportamento e aprendizagem; e não uma adepta a
medicalização sem a busca de tratamentos alternativos, caso realmente diagnósticos
sejam confirmados.
Outra
preocupação com do diagnóstico indiscriminado do TDAH e sua medicalização é a produção
de estigmas, Fernandes e Denari (2017) narram que pessoas estigmatizadas são
compreendidas como frágeis, impotentes, com problemas que causam desvantagem e
assim são vistas de forma depreciativa pela sociedade e em desvantagem, “o
aluno problema”.
Nesse
ponto, podemos refletir sobre a contradição que se instala. Ribeiro, Viegas e
Oliveira (2019) esclarecem que os profissionais da educação escolar esperam que
o diagnóstico de TDAH e o uso de metilfenidato auxiliará no processo
ensino-aprendizagem, uma vez que esse fármaco “modularia” o comportamento do
estudante. Contudo a estigmatização desse aluno poderá promover outras
dificuldades que afetaram o processo de ensino-aprendizagem.
Referências
BRASIL, Fundação Oswaldo Cruz. III Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira. Rio de Janeiro, 2017.
CONCEIÇÃO, A. P. et al. Uso da Ritalina para o melhoramento acadêmico nos cursos de enfermagem e farmácia. Revista Eletrônica Interdiciplinar: Barra do Garças, v. 11, n.1, 2019..
DUARTE, D. F. Uma breve história do ópio e dos opióides. Revista Brasileira de Anestesiologia: Campinas, v. 55, n. 1, p. 135-146, 2005.
FARIAS, M. S. et al. Uso de Psicotrópicos no Brasil: Uma Revisão da Literatura. Revista Biofarm: João Pessoa, v.12, n. 4, 2016.
FERNANDES, A. P. C. S.; DENARI, F. E. Pessoa com deficiência: estigma e identidade. Educação e Contemporaneidade: Salvador, v. 26, n. 50, p. 77-89, 2017.
FREUD, S. O mal-estar na civilização [1930], In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
GOMES, R. S.; GONÇALVES, L. R.; SANTOS, V. R. L. Vendas de metilfenidato: uma análise empírica no Brasil no período de 2007 a 2014. Revista Sigmae: Alfenas, v. 8, n. 2, p. 663-681, 2019.
LEONARDI, E.; MATOS, J. Industria farmacêutica tem crescimento acelerado. Tecnoblog, 2018.
RIBEIRO, M. I. S.; VIEGAS, L. S.; OLIVEIRA, E. C. O diagnóstico de TDAH na perspectiva de estudantes com queixa escolar. Revista Práxis Educacional: Vitória da Conquista, v. 15, n. 36 p. 178-201, 2019.
SILVA, A. C. P. et al. A explosão do consumo de Ritalina. Revista de Psicologia da Unesp: Assis, v. 11, n. 2, p. 44-57, 2012.
SODELLI, M. A abordagem proibicionista em desconstrução: compreensão fenomenológica existencial do uso de drogas. Revista Ciência e Saúde Coletiva: Rio de Janeiro, v. 15, n.3, p. 637-644, 2010.