Farol Psicologia - Lins SP

A Farol Psicologia surgiu da idéia de criar um espaço para expor nosso trabalho como psicólogos e pensadores dos dias de hoje.
O farol é nossa inspiração, como um norteador no mar incerto, na incompletude.
Como psicólogos atuamos com as palavras, muitas vezes com o inacessível, e para isso buscamos na psicanálise, na psicologia, nas artes, na poesia, e outras "ciências" respostas, e por que não, mais perguntas.
Quem somos?

Mariana Rosa Cavalli Domingues

Psicologa Clínica e Judiciária
Psicóloga pela UEL, Especializada em Clinica Psicanalítica e Mestre em Filosofia pela UFSCar

@marircd

e
Taciano Luiz Coimbra Domingues

Psicólogo Clínico e Judiciário
Psicólogo pela UEL, Especializado em Terapia de Casal e de Família, Especializado em Terapia sexual e Mestre em Psicologia pela UNESP - Assis.


Rua José Garcia de Carvalho, 70 Lins - São Paulo,
tel.: (14) 99109 - 2016

terça-feira, 30 de novembro de 2021

PSICOTRÓPICOS, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO ESCOLAR


 

Saudações!! A proposta de compartilhar ensaios que escrevi durante uma disciplina do doutorado continua.  Nesse ensaio relacionamos os temas contidos no título.

 

PSICOTRÓPICOS, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO ESCOLAR

DOMINGUES, Taciano Luiz Coimbra

 

O uso de substâncias psicotrópicos pelos seres humanos não é algo recente, existem indícios de seu uso desde a antiguidade. Sodelli (2010) sublinhou relatos antropológicos de várias culturas em que o ser humano procura alterar o seu estado de consciência, utilizando vários métodos: dança, música, privação, dor e poções.

Em seu livro O mal-estar na Civilização, Freud (1996) alegou que estar consciente o tempo inteiro de tudo que acontece ao seu entorno é algo insuportável, portanto, as pessoas constroem saídas para escapar da realidade, entre elas os entorpecentes. Algo bem colocado na música Meu Caro Amigo de Chico Buarque: “muita mutreta pra levar a situação, que a gente vai levando de teimoso e de pirraça, e a gente vai tomando que também sem a cachaça, ninguém segura esse rojão”.

O III Levantamento Nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira (BRASIL, 2017) informou que na faixa etária de 12 a 65 anos aproximadamente 8% da população brasileira já usou maconha e 3,1% cocaína. O uso de drogas legais como analgésicos opiáceos ocorreu em 0,6% e benzodiazepínicos ansiolíticos em 0,4% da população brasileira.

O uso de drogas legais e ilegais também é permeado por interesses econômicos. Leonardi e Matos (2020) comunicaram que no Brasil a indústria farmacêutica vendeu 215 bilhões em medicamentos em 2019. A indústria de Alimentos, que engloba bebidas e exportações, teve o número de vendas três vezes maior. Não podemos esquecer que a produção de drogas ilegais tem um ganho astronômico também.

O uso de fármacos vai além do uso terapêutico ou recreativo. No século XIX, o Império Britânico utilizou o grande poder de dependência do Ópio para possibilitar a entrada comercial no Império Chinês, movimento conhecido como Guerra do Ópio (DUARTE, 2005).

Os psicotrópicos são substâncias que promovem alterações no funcionamento nas vias/redes neurais e podem fomentar mudanças comportamentais, além de causar dependência. Farias e outros (2016) salienta que na sociedade ocidental existe um uso indiscriminado desses compostos com o objetivo de tratar tanto doenças físicas quanto mentais.

O uso irresponsável de psicotrópicos não é restrito a determinada faixa etária. Um bom exemplo dessa afirmação, é o uso do psicoestimulante Cloridrato de Metilfenidato, muito conhecido pelo seu nome comercial Ritalina ou Concerta (CONCEIÇÃO et al., 2019). Segundo os autores, esse composto aumenta a capacidade de concentração através da estimulação da liberação dos neurotransmissores dopamina e noradrenalina.

Esse medicamento é geralmente utilizado para o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, o qual os sintomas são relacionados a desatenção, hiperatividade e impulsividade. Gomes, Gonçalves, Santos (2019) mencionaram que de 2007 a 2014 foi constatado o aumento 775% nas vendas do Metilfenidato. Outra informação importante revelada por esses autores é que muitas crianças estavam tomando essa medicação sem terem sido diagnosticadas com o transtorno acima citado.

 

A Ritalina, nome comercial do metilfenidato, é um psicoestimulante, prescrito majoritariamente no tratamento de crianças diagnosticadas com TDAH. Sendo um estimulante, da família das anfetaminas (como a cocaína), se consumida em certa dosagem, defende-se que auxiliaria no desempenho de tarefas escolares e acadêmicas, pois aumenta a atividade das funções executivas, aumentando a concentração, além de atuar como atenuador da fadiga (SILVA et al., 2012, p.46).

 

            O uso dessa medicação e esse transtorno estão diretamente relacionados ao ambiente escolar. Ribeiro, Viegas, Oliveira (2019) comentam que muitas vezes são os trabalhadores da educação escolar que solicitam a avaliação do aluno em relação a TDAH e o uso metilfenidato. Situação preocupante, uma vez que a escola teria que ser um espaço acolhedor para práticas alternativas de como tratar problemas de comportamento e aprendizagem; e não uma adepta a medicalização sem a busca de tratamentos alternativos, caso realmente diagnósticos sejam confirmados.

            Outra preocupação com do diagnóstico indiscriminado do TDAH e sua medicalização é a produção de estigmas, Fernandes e Denari (2017) narram que pessoas estigmatizadas são compreendidas como frágeis, impotentes, com problemas que causam desvantagem e assim são vistas de forma depreciativa pela sociedade e em desvantagem, “o aluno problema”.

            Nesse ponto, podemos refletir sobre a contradição que se instala. Ribeiro, Viegas e Oliveira (2019) esclarecem que os profissionais da educação escolar esperam que o diagnóstico de TDAH e o uso de metilfenidato auxiliará no processo ensino-aprendizagem, uma vez que esse fármaco “modularia” o comportamento do estudante. Contudo a estigmatização desse aluno poderá promover outras dificuldades que afetaram o processo de ensino-aprendizagem.

  

Referências

BRASIL, Fundação Oswaldo Cruz. III Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira. Rio de Janeiro, 2017.

CONCEIÇÃO, A. P. et al. Uso da Ritalina para o melhoramento acadêmico nos cursos de enfermagem e farmácia. Revista Eletrônica Interdiciplinar: Barra do Garças, v. 11, n.1, 2019..

DUARTE, D. F. Uma breve história do ópio e dos opióides. Revista Brasileira de Anestesiologia: Campinas, v. 55, n. 1, p. 135-146, 2005.

FARIAS, M. S. et al. Uso de Psicotrópicos no Brasil: Uma Revisão da Literatura. Revista Biofarm: João Pessoa, v.12, n. 4, 2016.

FERNANDES, A. P. C. S.; DENARI, F. E. Pessoa com deficiência: estigma e identidade. Educação e Contemporaneidade: Salvador, v. 26, n. 50, p. 77-89, 2017.

FREUD, S. O mal-estar na civilização [1930], In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

GOMES, R. S.; GONÇALVES, L. R.; SANTOS, V. R. L. Vendas de metilfenidato: uma análise empírica no Brasil no período de 2007 a 2014. Revista Sigmae: Alfenas, v. 8, n. 2, p. 663-681, 2019.

LEONARDI, E.; MATOS, J. Industria farmacêutica tem crescimento acelerado. Tecnoblog, 2018.

RIBEIRO, M. I. S.; VIEGAS, L. S.; OLIVEIRA, E. C. O diagnóstico de TDAH na perspectiva de estudantes com queixa escolar. Revista Práxis Educacional: Vitória da Conquista, v. 15, n. 36 p. 178-201, 2019.

SILVA, A. C. P. et al. A explosão do consumo de Ritalina. Revista de Psicologia da Unesp: Assis, v. 11, n. 2, p. 44-57, 2012.

SODELLI, M. A abordagem proibicionista em desconstrução: compreensão fenomenológica existencial do uso de drogas. Revista Ciência e Saúde Coletiva: Rio de Janeiro, v. 15, n.3, p. 637-644, 2010.

sábado, 6 de novembro de 2021

LUTO E CAVALOS MARINHOS

 



 Mariana R. C. Domingues


Neste últimos tempos vivendo num contexto de pandemia mundial, falar sobre luto se tornou algo frequente. Ouvindo a canção “Vento no litoral” da Legião Urbana, faço uma interpelação entre o conceito psicanalítico de luto e a forma de abordagem da letra que fala de uma perda.

Vou iniciar apresentando brevemente o conceito de luto. Freud trabalhou sobre o assunto num texto intitulado “Luto e Melancolia” de 1917. Diante da perda de alguém, ou de um ideal é comum as pessoas apresentarem, por um tempo, um estado de desânimo, baixa auto-estima, desinteresse, transtornos alimentares, transtornos do sono e transtornos emocionais.

Neste texto Freud traça diferenças entre os conceitos de luto e melancolia, vejamos algumas; para Freud apenas a melancolia é patológica e o luto é algo natural e necessário. Entende-se que, no luto o mundo fica sem graça e na melancolia esta perda é vivida como se recaísse sobre o próprio eu. Apenas na melancolia há uma espécie de diminuição do ego. Isso ocorre por que na melancolia há uma identificação do eu com o objeto perdido e ocorre uma perda inconsciente.

A visão de funcionamento psíquico na psicanálise indica que as pessoas se ligam às outras pessoas e objetos por meio da pulsão, da libido. O que ocorre diante da perda de um objeto/pessoa amada é que uma quantidade de energia livre pode ter dificuldades em se direcionar para outros objetos. No processo de luto as pessoas podem dirigir a pulsão para outros objetos e interesses. Notamos isso quando após a morte de um ente querido ou mesmo o fim de um relacionamento, uma pessoa pode iniciar um novo hobby ou até mesmo envolver-se em algum trabalho. Na melancolia essa pulsão volta-se para o próprio eu, dificultando a capacidade de fazer vínculos.

São conceitos interessantes que norteiam o trabalho com o processamento do luto e a forma como podemos encaminhar as melancolias.

Agora vamos voltar à canção. Trata-se de uma música de autoria de Renato Russo e Dado Villa-Lobos, que foi lançada em 1991 no disco V. Vale a pena ouvir uma versão em que Cassia Eller canta junto com Renato Russo, a arte torna-se mais dramática.

Ressalto aqui que não se trata de uma interpretação da música, pois acredito que explicar obras e músicas é bem parecido com o ato de explicar uma piada, fazendo com que o riso perca seu encanto. Proponho aqui, apenas associações que foram possíveis a partir da letra musical e dos temas estudados.

No parágrafo inicial se coloca a sensação de buscar descanso, um encontro com a natureza, que permitisse o esquecimento ou o aplacar da dor. Fica evidente que a dor da perda não pode ser apagada por que os autores falam da presença interna do ser que está ausente. É disso que se trata no limiar entre o luto e a melancolia, não? A sensação descrita na música refere-se a presença da pessoa internamente, mesmo com a consciência de que ela não está mais presente. Quando o apego ao objeto perdido é muito forte pode haver uma confusão sobre quem afinal estaria perdido. Muitas vezes aquele que perdeu alguém encontra-se perdido. No verso que diz “o vento vai levando tudo embora” podemos pensar que o vento leva não somente a dor, mas também tudo a seu redor deixando a sensação de vazio.

Outro aspecto que aparece na música é o desamparo diante das situações de separações irreparáveis como aquela gerada pela morte. Quando cantado, o verso que diz “o que posso fazer” gera uma dúvida; trata-se de uma pergunta ou uma afirmação? O processo de luto coloca as pessoas diante daquilo que é irremediável. Há algo que foge do controle e que obriga o sujeito a seguir em frente. A imagem do corpo que deixa a onda bater, me parece refletir esse sentimento. Como não há o que fazer,  deixar a onda levar torna-se aquilo que é possível.

Mas nesse trecho da música logo é apresentada uma resposta: “O que posso fazer é cuidar de mim.” Bom, aqui há um norteador para o enfrentamento do luto, assim como no trecho que diz que “se entregar é uma bobagem”. O autor mostra que apesar da tristeza, precisa buscar o vento no litoral, e seguir o combinado: “lembra que o plano era ficarmos bem”.

Na travessia do luto esse olhar ao horizonte e ver mais além pode ser difícil, e o chamado pelas ondas e pelo vento, parece uma tentativa de amenizar ou levar embora aquele sofrimento. Mas, para além da letra, ouvindo a música sem notar qualquer palavra, fica evidente que o sofrimento não é levado embora pelo vento no litoral. Essa sensação de que a dor não vai acabar é descrita por pessoas nesta situação. Mas o processo de luto, mesmo que doloroso, tem um tempo e deve acabar.

Enfim, o que mais me chamou a atenção na música e me provocou na escrita deste texto foram os cavalos marinhos. É muito interessante que ao final da música apareça uma interjeição “Ei! Olha só o que eu achei”; é uma fala endereçada a alguém, e fala de um outro ser, um bicho bonito: cavalos marinhos! Por um momento, ao se encantar com os animais, o sujeito parece sair de sua dor. É um movimento que não tinha como objetivo esquecer ou desviar; é um fenômeno em que um Outro que se insere. Notadamente uma das questões que diferencia o luto da melancolia é justamente poder se dirigir a outros objetos, poder seguir em frente.

Finalizo com a letra da música:

Vento no Litoral

 

De tarde eu quero descansar, chegar até a praia e ver
Se o vento ainda está forte
E vai ser bom subir nas pedras
Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora

Agora está tão longe
Vê, a linha do horizonte me distrai
Dos nossos planos é que tenho mais saudade
Quando olhávamos juntos na mesma direção

Aonde está você agora
Além de aqui dentro de mim?

Agimos certo sem querer
Foi só o tempo que errou
Vai ser difícil eu sem você
Porque você está comigo o tempo todo

E quando vejo o mar
Existe algo que diz
Que a vida continua e se entregar é uma bobagem

Já que você não está aqui
O que posso fazer é cuidar de mim
Quero ser feliz ao menos
Lembra que o plano era ficarmos bem?

Ei, olha só o que eu achei, cavalos-marinhos

Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora


Segue o link da música:

 https://www.youtube.com/watch?v=4iyIzerrXjE

 

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

PANDEMIA, TECNOLOGIAS DIGITAIS E ESCOLA


 

Saudações!! Segue a minha proposta de compartilhar ensaios que escrevi durante uma disciplina do doutorado que estou fazendo em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem (UNESP - Campus de Bauru). Nesse texto relacionamos os temas contidos no título.

Pandemia, Tecnologias Digitais e Escola

  Taciano  L. C. Domingues

Estamos no meio de uma pandemia causada pelo vírus Corona e na qual não existe uma previsão do seu término, aliás se isso vai ser possível. O impacto da COVID 19 é tão relevante no momento atual que de acordo com Chwarkz (2020) é o marco histórico para início do século XXI. Morin (2020) reflete que a pandemia colocou várias questões em evidência: relações de poder, ação do homem nas mudanças climáticas, desigualdade social, paradigmas científicos e mesmo a educação escolar.

Não sejamos ingênuos, uma vez que a educação escolar no Brasil já estava com grandes problemas antes dessa crise mundial. O Índice de desenvolvimento da Educação Básica (BRASIL, 2019) em seus resultados em 2019, já estava aquém das suas metas, as quais podemos concordar que são modestas comparadas a outras nações do mundo.

            Contudo na pandemia uma questão se tornou extremamente relevante que é o uso de tecnologias digitais na aprendizagem devido ao fechamento das escolas de forma presencial. Habowski, Conte, Pugens (2020) explanam que tecnologias digitais são celulares, computadores, aplicativos, internet etc. Essa discussão também não é atual, principalmente sobre a sua presença nas instituições de ensino, sublinhamos em 2007, o governo de São Paulo sancionou a Lei nº 12.730 (MILAGRE, 2009) que proibia celulares durante as aulas.

            Entretanto Vercelli (2020) esclarece que essa situação mudou com a COVID 19. Se antes era uma discussão teórica e experimental, ela passou a ser uma prática cotidiana, visto que a transmissão do vírus ocorre no contato físico, não sendo recomendado as “aglomerações em salas de aula”.

            O uso de tecnologias digitais e virtuais na educação escolar suscitam várias discussões entre os profissionais da área, as quais muitas vezes acabam numa ótica maniqueísta (SILVA, 2006), construindo um binômio remoto X presencial; tecnologias digitais X tecnologias tradicionais (material impresso, quadro negro etc.). Não podemos esquecer que as crianças e jovens que estão cursando o ensino fundamental e médio podem ser considerados nativos digitais, os quais construíram relações diferentes com as ferramentas digitais, quando comparados com os imigrantes digitais (VERZONI; LISBOA, 2015, p.459):

 

Os nativos digitais, nascidos nas últimas décadas do século XX e início do século XXI, desenvolveram-se com jogos de computador, videogames, câmeras, reprodutores de música digitais, email, internet e celulares como elementos fundamentais de sua rotina. Por terem nascido na era digital — e por isso expostos desde o início às várias tecnologias —, estes jovens pensam, percebem e reagem de forma diferente em relação aos seus predecessores, os imigrantes digitais.

 

            Sobre qual tecnologia é a melhor na educação escolar, numa perspectiva mais integradora e entendendo a complexidade do ser humano (MORIN, 2007), tanto as tecnologias digitais como as tradicionais são importantes para que a escola cumpra o seu papel.

 

A escola é uma instituição pertencente à sociedade e as tecnologias digitais fazem parte da realidade contemporânea. A educação surge como possibilidade de uma formação cultural problematizadora que articula racionalidade e sensibilidade, na recriação e ressignificação do pensar e agir coletivo (HABOWSKI; CONTE; PUGENS, 2020, P.31).

 

Dessa forma, as tecnologias digitais são interessantes para a redução de custos, deslocamento e mesmo para a diminuição do tráfego nas cidades. Também oferece acesso a informações de forma mais rápida e eficiente, além de permitir que alunos que estão com alguma dificuldade de locomoção possam assistir as aulas de forma remota (HABOWSKI; CONTE; PUGENS, 2020). As aulas presenciais permitem um espaço de socialização e aprendizagem para os alunos através da troca de experiências diretas, promovendo o desenvolvimento de habilidades socioafetivas (COSTA et al., 2016).

Portanto consideramos que nem tanto o remoto e nem tanto o presencial, podemos pensar o ensino híbrido como forma de somar o que era positivo antes da pandemia e o que estamos aprendendo com a pandemia com as tecnologias digitais. Todavia não devemos esquecer que o acesso a essas ferramentas pelos nossos estudantes depende de fatores socioeconômicos, os quais em nossos país, necessitam de transformações urgentes.

 

 REFERÊNCIAS

 BRASIL, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Brasília, DF, 2017.

 COSTA, J. S. S. M. et al. Funções executivas e desenvolvimento infantil: habilidades necessárias para a autonomia. São Paulo: Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, 2016.

 HABOWSKI, A. C.; CONTE, E.; PUGENS, N. de B. Crianças tecnologias: paradoxos educativos. In: HABOWSKI, A. C.; CONTE, E. (orgs.). Crianças e tecnologias: influências, contradições e possibilidades formativas. São Paulo: Pimenta Cultura, 2020. p. 14-42

 MILAGRE, J. A. É legal a proibição de celulares nas escolas do Brasil? Revista Jus Navigandi, v. 14, n. 2128, 2009

MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007. 120p.

 MORIN, E. É hora de mudarmos de via: As lições do coronavírus. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020.

 VERCELLI, L. C. A. Aulas remotas em tempos de Covi-19: a percepção de discentes de um programa de mestrado profissional em educação. Revista @mbienteducação, v. 13, n.2, p. 47-60, 2020.

 VERZONI, A.; LISBOA, C. Formas de subjetivação contemporâneas e as especificidades da geração Y. Revistas Subjetividades, v. 15, n.3, p.457-466, 2015.

 SCHWARCZ, L. M. Quando acaba o século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

 SILVA, M.K. Sociedade civil e construção democrática: do maniqueísmo essencialista à abordagem relacional. Revista Sociologias: Porto Alegre, n. 16, 156-179, jul/dez, 2006.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

CARNALIDADE

Carnalidade

Mariana R. C. Domingues

 

            Interessante notar que o ser humano em seu dia dia, repleto de tarefas e finalidades muitas vezes se esquece de sua realidade corporal. É muito comum pessoas entretidas numa atividade não se darem conta da maneira como se acomodaram numa poltrona e depois ficar com o corpo dolorido... Ah, aí sim vão lembrar de sua existência primordialmente corporal.

            Quando estudamos desenvolvimento humano entendemos que há um processo longo e exigente até que o bebê humano se reconheça em seu corpo, se aproprie dele (Dolto, 1997).

            Merleau-Ponty fala de maneira contundente a condição primeira do corpo vivo de carne e osso, num mundo visto e que vê o tempo todo numa inter-relação constante que os funda.

Meio caminho entre o indivíduo espácio-temporal e a ideia, espécie de princípio encarnado que importa um estilo de ser em todos os lugares onde se encontra uma parcela sua. Nesse sentido, a carne é um ‘elemento’ do ser (MERLEAU-PONTY, 2009).

            O corpo está preso ao tecido das coisas, diz Merleau-Ponty, ele também é sensível para elas, assim como também o é para si.

Cada palpação de uma única mão, embora tenha seu visível e seu tangível, está ligada à outra visão, à outra palpação, de modo a realizar com elas a experiência de um único corpo diante de um único mundo, graças a uma possibilidade de reversão, de reconversão de sua linguagem na delas, possibilidade de reportar e revirar segundo a qual o pequeno mundo privado de cada um não se justapõe àquele de todos os outros, mas é por ele envolvido, colhido dele, constituindo, todos juntos, Sentiente em geral, diante de um Sensível em geral. Ora, essa generalidade que faz a unidade de meu corpo, porque não se abriria elas a outros corpos? [...]. Porque não existiria a sinergia entre diferentes organismos, já que é possível no interior de cada um? (MERLEAU-PONTY, 2009).

            Assim o corpo está no mundo e faz parte dele num complexo vívido e dinâmico. Neste sentido, me faz pensar no momento atual em que vivemos com tantos encontros virtuais em que as pessoas estão diante de câmeras conversando com outros em outro local no mundo, rodeado de coisas que não vemos. Não se compartilha o que está a diante dos olhos de quem olha para a câmera. A experiência carnal de habitar um espaço compartilhado não ocorre. Tivéssemos uma câmera girando incessantemente em 360 graus teríamos uma ideia de onde o outro está inserido e visse versa. Mesmo assim não seria compartilhado. E o pior de tudo é que apenas deixa explícito o fato de que não sabemos mesmo de como é viver no corpo e na realidade do outro.

            Quando Merleau-Ponty aponta a não delimitação dos limites do corpo, no sentido de que fazemos parte de um mundo interligado e comunicado, novamente a situação da pandemia nos coloca a frontal verdade de estar num mesmo planeta respirando na mesma atmosfera passível de uma contaminação global.

Nós nos colocamos tal como o homem natural, em nós e nas coisas, em nós e no outro, no ponto onde por uma espécie de quiasma, tornamo-nos os outros e tornamo-nos mundo (MERLEAU-PONTY, 2009).

            Para finalizar cito uma artista nacional Adriana Varejão, que traz em sua obra a crueza e violência de nossa colonização em diversas obras como nesta a seguir, titulada Losango, 1997.





            Na coleção “Grandes pintores brasileiros”, há um trecho em que a artista relata como foi vivido o encontro com sua obra:

Me voltei para Minas, para suas pequenas cidades históricas, suas montanhas, cachoeiras e pedras, e especialmente para Ouro Preto. Aquelas igrejas eram caixas de joias que guardavam complexas e fascinantes joias carnívoras, capazes de ingerir qualquer elemento alheio, fragmentos dispersos, acumulando-os, deformando-os e integrando-os ao seu universo sagrado (Moraes, M. 2013, p. 20).

            Outras obras da artista tratam da sexualidade e exploram a crueza do ser encarnado literalmente. Moraes (2013) afirma que o trabalho da artista desde o início vem marcado pela presença de dois elementos recorrentes: o azulejo (alusão aos colonizadores europeus) e a carne – claramente anedótica, teatralizada, numa violência muitas vezes chocante de um realidade vivida intimamente por todos – ser corpo.

 



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 



 

DOLTO. F. Quando surge a criança. Campinas: Ed. Papiros, 1997.

MERLEAU-PONTY M. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2009.

            MORAES, M. Adriana Varejão. Coleção Folha. Grandes Pintores Brasileiros. São Paulo: Instituto Itau Cultural, 2013.

  

domingo, 26 de setembro de 2021

DESENHOS ANIMADOS, INFÂNCIA E MANIQUEÍSMO




Saudações!! Início minha proposta de compartilhar ensaios que escrevi durante uma disciplina do doutorado que estou fazendo em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem (UNESP - Campus de Bauru). No primeiro texto relacionamos os temas contidos no título.



Desenhos animados, Infância e Maniqueísmo


Taciano L. C. Domingues


No dia 28 de março de 2021, a Folha de S. Paulo no seu caderno C8 publicou a matéria intitulada “A (des)culpa de Pepe Le Pew” sobre a retirada desse personagem fictício da nova versão do filme: Space Jam. Pepe Le Pew é um cangambá com trejeitos de um conquistador estereotipado francês que persegue implacavelmente uma gata, que a todo custo tenta escapar das suas investidas, além do seu mal cheiro (WIKIPÉDIA, 2021).

A iniciativa de exclusão do Pepe Le Pew do filme, que atualmente recebe o nome de cancelamento, uma tradução tosca do inglês cancel para o português (PIRES, 2020). O termo utilizado nos tribunais da internet, representa uma discordância de aspectos que os internautas não aprovam, seja pelo politicamente correto, seja por comportamentos ou opiniões de animais fictícios, como no presente texto, mas sobretudo de pessoas, organizações e governos.

Sob a égide do bem maior, esses movimentos promovem campanhas de cancelamento, as quais geram vários efeitos, entre eles econômicos, uma vez que existe uma relação direta com a cultura de massa, a venda de produtos e consumidores (ODININO; SOUZA, 2020).

Existem várias possibilidades de pensar esse fenômeno atual, uma delas com raízes antigas que tratam da moralidade é a visão maniqueísta de mundo. Ela está presente em nossa vida cotidiana e teve vários momentos de grande evidência na história ocidental. Dividir o “mundo” em dois polos, lados, ideologias e comportamentos facilita o entendimento das pessoas, além de contribuir para escolhas mais fáceis, uma vez que tudo se resume a duas possibilidades: bem e mal, direita e esquerda, machismo e feminismo, capitalismo e comunismo (SILVA, 2006).

O maniqueísmo está inserido nas relações que estabelecemos, no ciclo da vida, como por exemplo no olhar sobre as crianças. Ocorre uma associação das crianças como anjos devido a suposta inocência e pureza (ARIÈS, 1981), como percebemos em pinturas e esculturas, em oposição a figura de demônios.

A visão adultocêntrica da criança como uma tábula rasa, inocente e ingênua, onde seria moldável, pressupostos difundidos pelo filósofo John Locke. Freud (1976) em seus estudos chocou o mundo da sua época quando escreveu sobre a sexualidade infantil. Isso custou um movimento de “cancelamento” dele na Viena vitoriana, não propiciando a sua entrada nos meios acadêmicos (FREUD, 1976).

A criança vista como um ser virginal, está atrelada a visão maniqueísta de bem e mal. Visão presente até hoje, entretanto tem perdido força com o desenvolvimento das ciências que estudam a infância (DESSEN ET AL, 2008). A criança é um ser em desenvolvimento e carrega potencialidades, é um sujeito de direitos de acordo com o nosso Estatuto da Criança e do Adolescente.

Por sermos seres socialmente construídos, complexos (MORIN, 2007), o tornar-se humano é pluralista e multidimensional. Sofremos influência do ambiente e da cultura que pertencemos, seria imprudente achar que as crianças não sofrem influência da mídia, e aqui mais especificamente dos desenhos animados. Contudo, esses mesmos desenhos já não são os mesmos de um mundo pós 2ª guerra mundial e a criança não é um receptáculo passivo (ODININO; SOUZA, 2020).

A internet permitiu uma liberdade de escolha em relação ao que assistir. Outras culturas produzem desenhos que não seguem uma lógica simplista de vilão e herói como apregoada pela cultura ocidental maniqueísta, uma boa prova disso, são os animes japoneses, onde existem personagens que são multideterminados e complexos, e não seguem uma tendência messiânica (WEINTERSTEIN, 2009).

Dessa forma, se as escolas utilizam os desenhos de uma forma complementar (ODININO; SOUZA, 2020), ou somente de lazer; devem estar atentas as tendências atuais, uma vez que o infante mantém um contato diário com animações, assistindo personagens que possuem condutas diferentes, ou conhecendo outras formas de agir que vão além do núcleo familiar ou da sua comunidade, escapando assim de uma visão maniqueísta do mundo.

 

REFERÊNCIAS

ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.

DESSEN, M. A.; COSTA JUNIOR., Á. L. (Orgs.).A ciência do desenvolvimento humano. Tendências atuais e perspectivas futuras. Porto Alegre, RS: Armed. 278p.

FREUD, S. Um estudo autobiográfico (1925 [1924]), In: Edição Standard Brasileira das Obreas Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol XX. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

MARTINS, R. V.;MELO, R. A. V. Combatir el Maniqueísmo por médio de la educacion. Revista Educação em Debate. Fortaleza, n.76, p. 48-56, 2018. 

MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007. 120p.

 ODININO, J. D. P. Q.; SOUZA, G. J. A. de. Desenho animado e imaginário infantil de massa: narrativas, mito e mídias na mediação escolar. Revista Eletrônica de Educação, v. 14, p. 1-18, e3772015, 2020.

 Pepé Le Pew In: Wikipédia: a enciclopédia livre. 

 PIRES, V. C. C. Gerenciando Crises na era da cultura do cancelamento virtual: Estudo de caso marca Boca Rosa Beauty. 2020, 54f. Monografia (Graduação em Publicidade e Propaganda) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2020. 

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