Farol Psicologia - Lins SP

A Farol Psicologia surgiu da idéia de criar um espaço para expor nosso trabalho como psicólogos e pensadores dos dias de hoje.
O farol é nossa inspiração, como um norteador no mar incerto, na incompletude.
Como psicólogos atuamos com as palavras, muitas vezes com o inacessível, e para isso buscamos na psicanálise, na psicologia, nas artes, na poesia, e outras "ciências" respostas, e por que não, mais perguntas.
Quem somos?

Mariana Rosa Cavalli Domingues

Psicologa Clínica e Judiciária
Psicóloga pela UEL, Especializada em Clinica Psicanalítica e Mestre em Filosofia pela UFSCar

@marircd

e
Taciano Luiz Coimbra Domingues

Psicólogo Clínico e Judiciário
Psicólogo pela UEL, Especializado em Terapia de Casal e de Família, Especializado em Terapia sexual e Mestre em Psicologia pela UNESP - Assis.


Rua José Garcia de Carvalho, 70 Lins - São Paulo,
tel.: (14) 99109 - 2016

domingo, 26 de setembro de 2021

DESENHOS ANIMADOS, INFÂNCIA E MANIQUEÍSMO




Saudações!! Início minha proposta de compartilhar ensaios que escrevi durante uma disciplina do doutorado que estou fazendo em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem (UNESP - Campus de Bauru). No primeiro texto relacionamos os temas contidos no título.



Desenhos animados, Infância e Maniqueísmo


Taciano L. C. Domingues


No dia 28 de março de 2021, a Folha de S. Paulo no seu caderno C8 publicou a matéria intitulada “A (des)culpa de Pepe Le Pew” sobre a retirada desse personagem fictício da nova versão do filme: Space Jam. Pepe Le Pew é um cangambá com trejeitos de um conquistador estereotipado francês que persegue implacavelmente uma gata, que a todo custo tenta escapar das suas investidas, além do seu mal cheiro (WIKIPÉDIA, 2021).

A iniciativa de exclusão do Pepe Le Pew do filme, que atualmente recebe o nome de cancelamento, uma tradução tosca do inglês cancel para o português (PIRES, 2020). O termo utilizado nos tribunais da internet, representa uma discordância de aspectos que os internautas não aprovam, seja pelo politicamente correto, seja por comportamentos ou opiniões de animais fictícios, como no presente texto, mas sobretudo de pessoas, organizações e governos.

Sob a égide do bem maior, esses movimentos promovem campanhas de cancelamento, as quais geram vários efeitos, entre eles econômicos, uma vez que existe uma relação direta com a cultura de massa, a venda de produtos e consumidores (ODININO; SOUZA, 2020).

Existem várias possibilidades de pensar esse fenômeno atual, uma delas com raízes antigas que tratam da moralidade é a visão maniqueísta de mundo. Ela está presente em nossa vida cotidiana e teve vários momentos de grande evidência na história ocidental. Dividir o “mundo” em dois polos, lados, ideologias e comportamentos facilita o entendimento das pessoas, além de contribuir para escolhas mais fáceis, uma vez que tudo se resume a duas possibilidades: bem e mal, direita e esquerda, machismo e feminismo, capitalismo e comunismo (SILVA, 2006).

O maniqueísmo está inserido nas relações que estabelecemos, no ciclo da vida, como por exemplo no olhar sobre as crianças. Ocorre uma associação das crianças como anjos devido a suposta inocência e pureza (ARIÈS, 1981), como percebemos em pinturas e esculturas, em oposição a figura de demônios.

A visão adultocêntrica da criança como uma tábula rasa, inocente e ingênua, onde seria moldável, pressupostos difundidos pelo filósofo John Locke. Freud (1976) em seus estudos chocou o mundo da sua época quando escreveu sobre a sexualidade infantil. Isso custou um movimento de “cancelamento” dele na Viena vitoriana, não propiciando a sua entrada nos meios acadêmicos (FREUD, 1976).

A criança vista como um ser virginal, está atrelada a visão maniqueísta de bem e mal. Visão presente até hoje, entretanto tem perdido força com o desenvolvimento das ciências que estudam a infância (DESSEN ET AL, 2008). A criança é um ser em desenvolvimento e carrega potencialidades, é um sujeito de direitos de acordo com o nosso Estatuto da Criança e do Adolescente.

Por sermos seres socialmente construídos, complexos (MORIN, 2007), o tornar-se humano é pluralista e multidimensional. Sofremos influência do ambiente e da cultura que pertencemos, seria imprudente achar que as crianças não sofrem influência da mídia, e aqui mais especificamente dos desenhos animados. Contudo, esses mesmos desenhos já não são os mesmos de um mundo pós 2ª guerra mundial e a criança não é um receptáculo passivo (ODININO; SOUZA, 2020).

A internet permitiu uma liberdade de escolha em relação ao que assistir. Outras culturas produzem desenhos que não seguem uma lógica simplista de vilão e herói como apregoada pela cultura ocidental maniqueísta, uma boa prova disso, são os animes japoneses, onde existem personagens que são multideterminados e complexos, e não seguem uma tendência messiânica (WEINTERSTEIN, 2009).

Dessa forma, se as escolas utilizam os desenhos de uma forma complementar (ODININO; SOUZA, 2020), ou somente de lazer; devem estar atentas as tendências atuais, uma vez que o infante mantém um contato diário com animações, assistindo personagens que possuem condutas diferentes, ou conhecendo outras formas de agir que vão além do núcleo familiar ou da sua comunidade, escapando assim de uma visão maniqueísta do mundo.

 

REFERÊNCIAS

ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.

DESSEN, M. A.; COSTA JUNIOR., Á. L. (Orgs.).A ciência do desenvolvimento humano. Tendências atuais e perspectivas futuras. Porto Alegre, RS: Armed. 278p.

FREUD, S. Um estudo autobiográfico (1925 [1924]), In: Edição Standard Brasileira das Obreas Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol XX. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

MARTINS, R. V.;MELO, R. A. V. Combatir el Maniqueísmo por médio de la educacion. Revista Educação em Debate. Fortaleza, n.76, p. 48-56, 2018. 

MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007. 120p.

 ODININO, J. D. P. Q.; SOUZA, G. J. A. de. Desenho animado e imaginário infantil de massa: narrativas, mito e mídias na mediação escolar. Revista Eletrônica de Educação, v. 14, p. 1-18, e3772015, 2020.

 Pepé Le Pew In: Wikipédia: a enciclopédia livre. 

 PIRES, V. C. C. Gerenciando Crises na era da cultura do cancelamento virtual: Estudo de caso marca Boca Rosa Beauty. 2020, 54f. Monografia (Graduação em Publicidade e Propaganda) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2020. 

 SILVA, M.K. Sociedade civil e construção democrática: do maniqueísmo essencialista à abordagem relacional. Revista Sociologias: Porto Alegre, n. 16, 156-179, jul/dez, 2006.  

WINTERSETEIN, C. P. Mangá e animes: sociabilidade entre cosplayers e otakus. 2009, 79f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009.