Saudações!! Início minha proposta de compartilhar ensaios que escrevi durante uma disciplina do doutorado que estou fazendo em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem (UNESP - Campus de Bauru). No primeiro texto relacionamos os temas contidos no título.
Desenhos animados, Infância e Maniqueísmo
Taciano L. C. Domingues
No dia 28 de março de 2021, a Folha de S.
Paulo no seu caderno C8 publicou a matéria intitulada “A (des)culpa de Pepe Le
Pew” sobre a retirada desse personagem fictício da nova versão do filme: Space
Jam. Pepe Le Pew é um cangambá com trejeitos de um conquistador estereotipado
francês que persegue implacavelmente uma gata, que a todo custo tenta escapar
das suas investidas, além do seu mal cheiro (WIKIPÉDIA, 2021).
A iniciativa de exclusão do Pepe Le Pew do
filme, que atualmente recebe o nome de cancelamento, uma tradução tosca do
inglês cancel para o português
(PIRES, 2020). O termo utilizado nos tribunais da internet, representa uma
discordância de aspectos que os internautas não aprovam, seja pelo
politicamente correto, seja por comportamentos ou opiniões de animais
fictícios, como no presente texto, mas sobretudo de pessoas, organizações e
governos.
Sob a égide do bem maior, esses movimentos
promovem campanhas de cancelamento, as quais geram vários efeitos, entre eles
econômicos, uma vez que existe uma relação direta com a cultura de massa, a
venda de produtos e consumidores (ODININO; SOUZA, 2020).
Existem várias possibilidades de pensar esse
fenômeno atual, uma delas com raízes antigas que tratam da moralidade é a visão
maniqueísta de mundo. Ela está presente em nossa vida cotidiana e teve vários
momentos de grande evidência na história ocidental. Dividir o “mundo” em dois
polos, lados, ideologias e comportamentos facilita o entendimento das pessoas,
além de contribuir para escolhas mais fáceis, uma vez que tudo se resume a duas
possibilidades: bem e mal, direita e esquerda, machismo e feminismo,
capitalismo e comunismo (SILVA, 2006).
O maniqueísmo está inserido nas relações que
estabelecemos, no ciclo da vida, como por exemplo no olhar sobre as crianças. Ocorre
uma associação das crianças como anjos devido a suposta inocência e pureza (ARIÈS,
1981), como percebemos em pinturas e esculturas, em oposição a figura de
demônios.
A visão adultocêntrica da criança como uma
tábula rasa, inocente e ingênua, onde seria moldável, pressupostos difundidos
pelo filósofo John Locke. Freud (1976) em seus estudos chocou o mundo da sua
época quando escreveu sobre a sexualidade infantil. Isso custou um movimento de
“cancelamento” dele na Viena vitoriana, não propiciando a sua entrada nos meios
acadêmicos (FREUD, 1976).
A criança vista como um ser virginal, está
atrelada a visão maniqueísta de bem e mal. Visão presente até hoje, entretanto
tem perdido força com o desenvolvimento das ciências que estudam a infância
(DESSEN ET AL, 2008). A criança é um ser em desenvolvimento e carrega
potencialidades, é um sujeito de direitos de acordo com o nosso Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Por sermos seres socialmente construídos,
complexos (MORIN, 2007), o tornar-se humano é pluralista e multidimensional.
Sofremos influência do ambiente e da cultura que pertencemos, seria imprudente
achar que as crianças não sofrem influência da mídia, e aqui mais
especificamente dos desenhos animados. Contudo, esses mesmos desenhos já não
são os mesmos de um mundo pós 2ª guerra mundial e a criança não é um
receptáculo passivo (ODININO; SOUZA, 2020).
A internet permitiu uma liberdade de escolha em
relação ao que assistir. Outras culturas produzem desenhos que não seguem uma
lógica simplista de vilão e herói como apregoada pela cultura ocidental
maniqueísta, uma boa prova disso, são os animes japoneses, onde existem
personagens que são multideterminados e complexos, e não seguem uma tendência
messiânica (WEINTERSTEIN, 2009).
Dessa forma, se as escolas utilizam os
desenhos de uma forma complementar (ODININO; SOUZA, 2020), ou somente de lazer;
devem estar atentas as tendências atuais, uma vez que o infante mantém um
contato diário com animações, assistindo personagens que possuem condutas
diferentes, ou conhecendo outras formas de agir que vão além do núcleo familiar
ou da sua comunidade, escapando assim de uma visão maniqueísta do mundo.
REFERÊNCIAS
ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.
DESSEN, M. A.; COSTA JUNIOR., Á. L. (Orgs.).A ciência do desenvolvimento humano. Tendências atuais e perspectivas futuras. Porto Alegre, RS: Armed. 278p.
FREUD, S. Um estudo autobiográfico (1925 [1924]), In: Edição Standard Brasileira das Obreas Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol XX. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
MARTINS, R. V.;MELO, R. A. V. Combatir el Maniqueísmo por médio de la educacion. Revista Educação em Debate. Fortaleza, n.76, p. 48-56, 2018.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. 3.
ed. Porto Alegre: Sulina, 2007. 120p.
WINTERSETEIN, C. P. Mangá e animes: sociabilidade entre cosplayers e otakus. 2009, 79f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009.