Associando livremente sobre a letra e o clipe da música "As it was"
Mariana R. Cavalli Domingues
A música de Harry Styles de 2022 toca nas rádios, nas mídias sociais e diretamente nas pessoas. Chama a atenção com seu ritmo dançante e cíclico, numa sobreposição de camadas de sentimentos (como bem nos explica @pianoquetoca).
Foi a música que me capturou, mas quando vi o clipe, algumas ideias me vieram a mente, de forma a sentir a necessidade de escrever. Pra mim é irresistível quando música, letra e dança aparecem integrados numa obra artística.
O clipe se inicia com pessoas com roupas formais, provavelmente em caminho ao trabalho, com semblante tedioso. "Gravity's holdin' me back"... "Nothin' to say, when everything gets in the way". São versos e imagens que descrevem a rotina do dia a dia, a roda viva que se cria nas atividades repetitivas e que passam se ser vividas de forma automatizada e sem energia.
Na cena seguinte, a imagem nos remete a essa mesma ideia, mas de forma poética. Nela vemos um cenário irreal e um casal andando em círculos e com roupas coloridas e brilhantes. Esse traje indica que por baixo dos casacos pesados, existe a individualidade, com suas escolhas particulares. Mas o casal anda com o semblante sem emoção, com breves encontros e desencontros. Aqui ouve-se o verso "it's just us, you Know it's not the same... " Há uma cumplicidade nesse viver juntos em um mundo hostil, por isso ele diz "você sabe".
No clipe, o casal consegue se tocar e o abraço entre eles parece modificar o clima emocional, mas ele se desfaz. Então a mulher parece tentar se aproximar, mas escorrega e cai ao chão. A cena gera um certo mal estar, mas é cortada pelo gesto de Harry, que aponta para o teto. Parece um clique no celular, parece buscar outra realidade, como ao se distrair nas telas.
Vê-se a imagem de uma 3ª dimensão, com planos diferentes e surreais, e as pessoas tirando suas roupas de trabalho. Não é exatamente uma cena sensual, remete muito mais à intimidade, à vulnerabilidade do corpo humano, na cena, em contato com a natureza, com o céu azul.
O casal novamente tenta se reconectar, se encaram, estão deitados, tentam um abraço, mas não é possível. São cercados por outros, por grades e pelo rompimentos do chão. Há entre eles um olhar de resignação. Uma separação forçada pelas contingencias. Quem não passou por uma dessas durante a pandemia...
Mas depois desse tipo de clarão, assim como depois de grandes momentos históricos, volta-se a andar em círculos, correndo e sem se encontrar. A música canta "Go home, get ahead, light-speed internet".
E o mais incrível, no final, mesmo titubeando na roda girante, ele consegue se erguer e dançar. Aí o livre do corpo que dança e rompe com o movimento preestabelecido e repetido em orbita. Vai ao ar puro, num cenário de uma cidade comum, confere as roupas do corpo. Sim, são aquelas que apontam a liberdade na escolha, roupa de palco eu diria, mas certamente não é aquela pesada e protegida, e nem aquela que remetia a uma desproteção e exposição do corpo.
O sujeito se percebe vivo, como quando voltamos a sair de casa sem mascara. Como quem sai de casa com a autenticidade, em conexão consigo mesmo. Dança e sorriso. O mundo não será como foi antes, e é tão bom quando, diante disso, se pode escolher que dança fazer. Não é algo simples. Nesse pós pandemia ainda temos os corpos e pensamentos marcados pelo incontrolável e temos adiante o desafio de sair da roda e dançar.
Para finalizar, não poderia deixar de citar Milton Nascimento e Beto Guedes: "Sei que nada será como antes amanhã..."