Farol Psicologia - Lins SP

A Farol Psicologia surgiu da idéia de criar um espaço para expor nosso trabalho como psicólogos e pensadores dos dias de hoje.
O farol é nossa inspiração, como um norteador no mar incerto, na incompletude.
Como psicólogos atuamos com as palavras, muitas vezes com o inacessível, e para isso buscamos na psicanálise, na psicologia, nas artes, na poesia, e outras "ciências" respostas, e por que não, mais perguntas.
Quem somos?

Mariana Rosa Cavalli Domingues

Psicologa Clínica e Judiciária
Psicóloga pela UEL, Especializada em Clinica Psicanalítica e Mestre em Filosofia pela UFSCar

@marircd

e
Taciano Luiz Coimbra Domingues

Psicólogo Clínico e Judiciário
Psicólogo pela UEL, Especializado em Terapia de Casal e de Família, Especializado em Terapia sexual e Mestre em Psicologia pela UNESP - Assis.


Rua José Garcia de Carvalho, 70 Lins - São Paulo,
tel.: (14) 99109 - 2016

domingo, 13 de agosto de 2023

LIBERDADE DE EXPRESSÃO É POSSÍVEL?

 



LIBERDADE DE EXPRESSÃO É POSSÍVEL?

 

Taciano Luiz Coimbra Domingues


No último sábado do mês de maio de 2021, uma parcela da população brasileira não cumpriu as regras sanitárias em relação a pandemia (G1,2021). Pessoas de todos os estados foram às ruas para protestar contra o governo federal, em favor da vacina e da democracia em nosso país. Interessante que poder protestar e fazer reivindicações de forma pública e em aglomerações só é possível em um país minimamente democrático.

Então de que democracia estamos falando? Rosenfield (1994) explica que democracia vem do grego antigo e tem como significado etimológico “governo do povo ou governo da maioria”. Ele coloca que essa forma de governo surgiu como uma diferenciação da monarquia “governo de um só” e aristocracia “governo de alguns”.

O autor esclarece que na Grécia Antiga esse conceito não era só relacionado a forma de governo, mas uma questão importante da cidades-estados, no caso aqui Atenas. Além de estar relacionada a vida material, também guarda aproximação com a liberdade política e conviver bem com a comunidade em que o cidadão pertence (ROSENFIELD, 2017). O cidadão vivia sua presença na governança da cidade de forma ativa, participando e tendo voz em todas as decisões que afetavam o seu cotidiano, ou seja, era uma democracia participativa, bem diferente da atual democracia representativa, onde nós escolhemos um representante para defender nossos interesses na esfera federal, estadual e municipal, no executivo e no legislativo. No entanto, com tantas notícias de corrupção (G1, 2021), fica difícil acreditar que estamos sendo bem representados.

Depois da experiência ateniense na antiguidade clássica, por muitos séculos, inclusive milênios, nenhuma país adotou a democracia como forma de governo. Essa situação mudou quando na América do Norte, treze colônias do Reino Unido entraram num processo de independência no século XVIII. Atualmente esse país é a maior economia do mundo e o principal baluarte de um governo democrático, apesar de inúmeros percalços na sua história recente. Na sua carta magna (SOUSA, 2021), composta de poucos artigos, a primeira emenda merece grande atenção:

EMENDA I: o Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos.

O primeiro Estado democrático moderno deixou em destaque na primeira emenda várias liberdades e entre elas, o livre discurso, tanto da imprensa, como do cidadão comum. A liberdade de expressão é algo imprescindível numa democracia. A perda da liberdade de expressão e do livre discurso são os primeiros direitos abolidos em governos ditatoriais. Nós tivemos essa experiência no Brasil no século passado, na cultura muitas músicas e peças teatrais foram censuradas, negando assim o direito da liberdade de expressão (KLANOVICZ, 2010).

Entretanto, a livre opinião tem limites? Quando o Livre Discurso se transforma no Discurso do ódio?

 O discurso de ódio compõe-se de dois elementos básicos: discriminação e externalidade. É uma manifestação segregacionista, baseada na dicotomia superior (emissor) e inferior (atingido) e, como manifestação que é, passa a existir quando é dada a conhecer por outrem que não o próprio autor. A fim de formar um conceito satisfatório, devem ser aprofundados esses dois aspectos, começando pela externalidade” (SILVA et al., 2011, p.447).

Podemos apreender que livre expressão tem seus limites quando deixa de representar uma liberdade ou opinião e é usada como arma e agressão contra o outro, o qual pode ser um grupo, etnia ou minoria. Contudo se esses limites forem generalizados, impedindo de forma engessada a manifestação de opiniões contraditórias da maioria, ou que são consideradas antissociais, as pessoas terão o seu discurso livre negado (SILVA et al, 2011). A maior expressão desse “policiamento ostensivo”, é o termo politicamente correto, o qual lança um verniz superficial, mascara a realidade, sem alterar efetivamente os preconceitos e as discriminações.

E nessas contradições entre discurso livre, liberdade de expressão, discurso do ódio e politicamente como correto, como fica a escola? O discurso que a escola deve formar “livres pensadores” é perene, por outro lado, Foucault (2009) explana que a escola é uma instituição que padroniza, modela e impõe normatizações ao comportamento humano. Diante disso, podemos fazer a seguinte reflexão: é possível ser livre, sem ser incorreto? O Grande educador Rubem Alves (2001) discorre o seguinte:

"Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado."

 

 REFERÊNCIAS

 ALVES, R. Gaiolas e Asas. Folha de São Paulo, São Paulo, 5 dez. 2001. Opinião.

 FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.

 GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S. A. G1, c2021.

 KLANOVICZ, L. R. F. No olho do furacão: Revista Veja, censura e ditadura militar (1968-1985). Revista Literatura em Debate, v. 4, n. 6, p. 34-50, jan-jul.; 2010.

 ROSENFIELD, D. L. O que é democracia. São Paulo: Brasiliense, 2017.

 SILVA, R. L. et al. Discursos de ódio em redes sociais: Jurisprudência brasileira. Revista Direito GV, v. 7, n. 2, p.445-468, jul-dez; 2011.

 SOUSA, Rainer Gonçalves. "A Constituição dos Estados Unidos"; Brasil Escola

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Mutante não fica na estante por muito tempo


Mariana R. C. Domingues


A vida tem certas coincidências que são presentes e me mostram uma conexão com o mundo. Um dia antes da despedida de Rita Lee deste plano, estava ouvindo a música “Mutante”. Tão bom quando música boa fica na cabeça... Então fui remetida pra outra canção “Na estante”, da Pitty. Com as músicas em mente, foram surgindo algumas conexões. Foi aí que veio a ideia desse texto, que será minha homenagem singela à querida Rita Lee.

Trata-se de um texto de brincadeira musical, longe de querer analisar, explicar e espero não estragar a poética das canções com alguma mania de psi... vou partir da visão de mulher psicóloga que teve alguns insights. Aviso que me dei ao luxo de misturar as canções.

               As duas músicas trazem um coração despedaçado e mostram o sentimento de rejeição.  A dor de não ser correspondido desnorteia e deixa a pessoa num sofrimento que parece sem fim. Nessas horas, há sensação de loucura, desejo de morte, desproteção e vulnerabilidade. Podemos perceber isso em versos como “quando eu me sinto um pouco rejeitada, me dá um nó na garganta”, ou “pena que você não me quis, não me suicidei por um triz”; “você está saindo da minha vida, e parece que vai demorar”. Na animação do clipe de “Na estante” visualizamos um sujeito sem coração, o robô sem alma. Quanta dor nesse coração que foi entregue voluntariamente, ou involuntariamente: “Ai de mim que sou romântica”, “eu estava aqui o tempo todo só você não viu”, “afinal de contas te dei meu coração, e você pôs na estante”.

               As pessoas se identificam com essas músicas pelos recortes tão vívidos e íntimos das relações amorosas. Algo do corpo e da intimidade como “você me deixou de tanga” ou “você me vê vermelha e acha graça”. Outro ponto delicado está na insistência em algo que já passou. Quando por exemplo, as pessoas sabem que não estão mais sendo amadas, ou até mesmo respeitadas e permanecem tentando: “tô aproveitando cada segundo, antes que isso aqui vire uma tragédia”, ou “kiss me baby”.

Mas estamos falando de mulheres que não estão apenas a lamentar; “ai de mim que sou romântica”. As músicas também remetem a uma pessoa que quer sair de uma relação ruim, que quer romper um vínculo, mas não consegue. Há um desejo de pelo menos esquecer, como nos versos “choro até secar a alma de toda mágoa, depois eu parto pra outra, como um mutante”, “seguindo o meu caminho”. Há uma luta pra superar esse sentimento, “só por hoje não quero mais te ver”. Tal como uma droga, “não quero tomar minha dose de você”.

               Para finalizar, destaco aqui que a música da Pitty chama-se “Na estante”, local ao qual parece ter havido uma questão... a formação linguística da frase, faz a gente pensar que houve uma situação em que o eu lírico seria colocado numa estante, mas que isso não foi concluído. Esse sujeito precisou protestar ou lutar contra isso, "mas eu não ficaria bem na sua estante". No caso da música da Rita Lee, o coração foi feito troféu no meio da bugiganga, na estante ficou. Pensando nisso tem um importância a canção se chamar “Mutante”. Há uma promessa de que a pessoa não ficará ali. Mesmo que ainda sinta, no fundo sempre sozinho, a gente intui que essa abstinência uma hora vai passar.  


E um viva às mulheres do rock:    

                     





 

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Aniverário de Adeus

 


Aniversários de Adeus

 

Hoje é saudade!

Sentir a falta da presença!

Abraçar a lembrança da permanência!

 

Hoje é saudade!

Rememorar as boas vivências!

Desejar esquecer as tristes experiências!

 

Hoje é saudade!

Derramar lágrimas de sofrimento!

Distribuir sorrisos de agradecimento!

 

Hoje é saudade!

Tentar dissolver a raiva da indignidade!

Lutar por um mundo com integridade!

 

Hoje é saudade!

Padecer com o adeus que se distancia!

Serenar com o tempo necessário!

Pois o reencontro da pessoa querida!

Se aproxima a cada Adeus de aniversário!

 

Taciano Luiz

quarta-feira, 15 de março de 2023

SOBRE RESIGNAÇÃO E LIBERDADE

 Associando livremente sobre a letra e o clipe da música "As it was"


                                                                 Mariana R. Cavalli Domingues



    A música de Harry Styles de 2022  toca nas rádios, nas mídias sociais e diretamente nas pessoas. Chama a atenção com seu ritmo dançante e cíclico, numa sobreposição de camadas de sentimentos (como bem nos explica @pianoquetoca).

    Foi a música que me capturou, mas quando vi o clipe, algumas ideias me vieram a mente, de forma a sentir a necessidade de escrever. Pra mim é irresistível quando música, letra e dança aparecem integrados numa obra artística.

    O clipe se inicia com pessoas com roupas formais, provavelmente em caminho ao trabalho, com semblante tedioso. "Gravity's holdin' me back"... "Nothin' to say, when everything gets in the way". São versos e imagens que descrevem a rotina do dia a dia, a roda viva que se cria nas atividades repetitivas e que passam se ser vividas de forma automatizada e sem energia.

    Na cena seguinte, a imagem  nos remete a essa mesma ideia, mas de forma poética.  Nela vemos um cenário irreal e um casal andando em círculos e com roupas coloridas e brilhantes. Esse traje indica que  por baixo dos casacos pesados, existe a individualidade, com suas escolhas particulares. Mas o casal anda com o semblante sem emoção, com breves encontros e desencontros. Aqui ouve-se o verso "it's just us, you Know it's not the same... " Há uma cumplicidade nesse viver juntos em um mundo hostil, por isso ele diz "você sabe".  

    No clipe, o casal consegue se tocar e o abraço entre eles parece modificar o clima emocional, mas ele se desfaz. Então a mulher parece tentar se aproximar, mas escorrega e cai ao chão. A cena gera um certo mal estar, mas é cortada pelo gesto de Harry, que aponta para o teto. Parece um clique no celular, parece buscar outra realidade, como ao se distrair nas telas. 

    Vê-se a imagem de uma 3ª dimensão, com planos diferentes e surreais, e as pessoas tirando suas roupas de trabalho. Não é exatamente uma cena sensual, remete muito mais à intimidade, à vulnerabilidade do corpo humano, na cena, em contato com a natureza, com o céu azul. 

    O casal novamente tenta se reconectar, se encaram, estão deitados, tentam um abraço, mas não é possível. São cercados por outros, por grades e pelo rompimentos do chão. Há entre eles um olhar de resignação. Uma separação forçada pelas contingencias. Quem não passou por uma dessas durante a pandemia... 

    Mas depois desse tipo de clarão, assim como depois de grandes momentos históricos, volta-se a andar em círculos, correndo e sem se encontrar. A música canta "Go home, get ahead, light-speed internet".

    E o mais incrível, no final, mesmo titubeando na roda girante, ele consegue se erguer e dançar. Aí o livre do corpo que dança e rompe com o movimento preestabelecido e repetido em orbita. Vai ao ar puro, num cenário de uma cidade comum, confere as roupas do corpo. Sim, são aquelas que apontam a liberdade na escolha, roupa de palco eu diria, mas certamente não é aquela pesada e protegida, e nem aquela que remetia a uma desproteção e exposição do corpo.

    O sujeito se percebe  vivo, como quando voltamos a sair de casa sem mascara. Como quem sai de casa com a autenticidade, em conexão consigo mesmo. Dança e sorriso. O  mundo não será como foi antes, e é tão bom quando, diante disso, se pode escolher que dança fazer. Não é algo simples. Nesse pós pandemia ainda temos os corpos  e pensamentos marcados pelo incontrolável e temos adiante o desafio de sair da roda e dançar. 

        Para finalizar, não poderia deixar de citar Milton Nascimento e Beto Guedes: "Sei que nada será como antes amanhã..."