LIBERDADE DE EXPRESSÃO É POSSÍVEL?
Taciano Luiz Coimbra Domingues
No último sábado do mês
de maio de 2021, uma parcela da população brasileira não cumpriu as regras
sanitárias em relação a pandemia (G1,2021). Pessoas de todos os estados foram às
ruas para protestar contra o governo federal, em favor da vacina e da
democracia em nosso país. Interessante que poder protestar e fazer
reivindicações de forma pública e em aglomerações só é possível em um país
minimamente democrático.
Então de que democracia
estamos falando? Rosenfield (1994) explica que democracia vem do grego antigo e
tem como significado etimológico “governo do povo ou governo da maioria”. Ele
coloca que essa forma de governo surgiu como uma diferenciação da monarquia
“governo de um só” e aristocracia “governo de alguns”.
O autor esclarece que na
Grécia Antiga esse conceito não era só relacionado a forma de governo, mas uma
questão importante da cidades-estados, no caso aqui Atenas. Além de estar
relacionada a vida material, também guarda aproximação com a liberdade política
e conviver bem com a comunidade em que o cidadão pertence (ROSENFIELD, 2017). O
cidadão vivia sua presença na governança da cidade de forma ativa, participando
e tendo voz em todas as decisões que afetavam o seu cotidiano, ou seja, era uma
democracia participativa, bem diferente da atual democracia representativa,
onde nós escolhemos um representante para defender nossos interesses na esfera
federal, estadual e municipal, no executivo e no legislativo. No entanto, com
tantas notícias de corrupção (G1, 2021), fica difícil acreditar que estamos
sendo bem representados.
Depois da experiência
ateniense na antiguidade clássica, por muitos séculos, inclusive milênios,
nenhuma país adotou a democracia como forma de governo. Essa situação mudou
quando na América do Norte, treze colônias do Reino Unido entraram num processo
de independência no século XVIII. Atualmente
esse país é a maior economia do mundo e o principal baluarte de um governo
democrático, apesar de inúmeros percalços na sua história recente. Na sua carta
magna (SOUSA, 2021), composta de poucos artigos, a primeira emenda merece
grande atenção:
EMENDA I: o Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos.
O primeiro Estado democrático moderno deixou em destaque na primeira emenda várias liberdades e entre elas, o livre discurso, tanto da imprensa, como do cidadão comum. A liberdade de expressão é algo imprescindível numa democracia. A perda da liberdade de expressão e do livre discurso são os primeiros direitos abolidos em governos ditatoriais. Nós tivemos essa experiência no Brasil no século passado, na cultura muitas músicas e peças teatrais foram censuradas, negando assim o direito da liberdade de expressão (KLANOVICZ, 2010).
Entretanto, a livre opinião tem limites? Quando o Livre Discurso se transforma no Discurso do ódio?
“O discurso de ódio compõe-se de dois elementos básicos: discriminação e externalidade. É uma manifestação segregacionista, baseada na dicotomia superior (emissor) e inferior (atingido) e, como manifestação que é, passa a existir quando é dada a conhecer por outrem que não o próprio autor. A fim de formar um conceito satisfatório, devem ser aprofundados esses dois aspectos, começando pela externalidade” (SILVA et al., 2011, p.447).
Podemos apreender que livre expressão tem seus limites quando deixa de representar uma liberdade ou opinião e é usada como arma e agressão contra o outro, o qual pode ser um grupo, etnia ou minoria. Contudo se esses limites forem generalizados, impedindo de forma engessada a manifestação de opiniões contraditórias da maioria, ou que são consideradas antissociais, as pessoas terão o seu discurso livre negado (SILVA et al, 2011). A maior expressão desse “policiamento ostensivo”, é o termo politicamente correto, o qual lança um verniz superficial, mascara a realidade, sem alterar efetivamente os preconceitos e as discriminações.
E nessas contradições entre discurso livre, liberdade de expressão, discurso do ódio e politicamente como correto, como fica a escola? O discurso que a escola deve formar “livres pensadores” é perene, por outro lado, Foucault (2009) explana que a escola é uma instituição que padroniza, modela e impõe normatizações ao comportamento humano. Diante disso, podemos fazer a seguinte reflexão: é possível ser livre, sem ser incorreto? O Grande educador Rubem Alves (2001) discorre o seguinte:
"Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado."
REFERÊNCIAS
ALVES, R. Gaiolas e Asas. Folha de São Paulo, São Paulo, 5 dez. 2001. Opinião.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.
GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S. A. G1, c2021.
KLANOVICZ, L. R. F. No olho do furacão: Revista Veja, censura e ditadura militar (1968-1985). Revista Literatura em Debate, v. 4, n. 6, p. 34-50, jan-jul.; 2010.
ROSENFIELD, D. L. O que é democracia. São Paulo: Brasiliense, 2017.
SILVA, R. L. et al. Discursos de ódio em redes sociais: Jurisprudência brasileira. Revista Direito GV, v. 7, n. 2, p.445-468, jul-dez; 2011.
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