O ser humano se faz no convívio
com os outros no seu ambiente. É o contato com sua realidade terrena e as características
biológicas e químicas que fazem uma troca possível e equilibrada que permite a
vida como a conhecemos. Ao longo da história, as civilizações humanas tratam de
melhor condicionar as forças da natureza para conseguir conforto e minimizar
possíveis efeitos destrutivos dos fenômenos naturais. Assim são pensadas as
casas, os encanamentos, as calhas, as janelas, as hidrelétricas, as torres, as
estradas... E neste viver civilizado uma infinidade de objetos são criados.
Coisas são feitas para utilidade, coisas são feitas como ornamento.
“Coisas
são só coisas servem só pra derrubar,
tem
seu brilho no começo,
mas
se viro pelo avesso,
são
um fardo pra carregar”. Chico César.
E essas coisas que precisamos,
que não precisamos e queremos são feitas de materiais extraídos na natureza. Objetos
que são feitos de materiais da natureza transformada e, as vezes, quase
irreconhecível. A busca por esses
materiais beira, e as vezes toca a insanidade. Quanta loucura e destruição se
fez na busca por metais... Podemos encontrar um exemplo disso nas fotos de
Sebastião Salgado sobre a Serra pelada; nos filmes ‘Olhe para cima”, ou até
mesmo na literatura no livro “Senhor dos anéis” que descreve uma montanha
devastada pela ganancia onde cavou-se um buraco fundo demais.
Falando em buraco vamos falar de
alguns mineiros. Não aqueles que cavaram os buracos, mas aqueles que moram no
Estado de Minas Gerais.
Recentemente Samuel Rosa compartilhou
o comentário de outro mineiro Chico Pinheiro em suas redes sociais. No referido
trecho Chico conta que foi de carro do Rio de Janeiro até Belo Horizonte e que
ficou chocado com a paisagem. Lembrou de Drummond que alertou; Olhem as
montanhas! Contou que pelas estrada se via paredões a encobrir o trabalho das
mineradoras a roer as montanhas. As minas gerais estão se tornando cada vez
mais gerais, as minas a inverter as montanhas. Cito Carlos Drummond de
Andrade:
Confidência do
Itabirano,
Alguns anos vivi em
Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar,
que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe
prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa…
Tive ouro, tive
gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
Esta imagem mostra a paisagem
descrita no poema de Drummond. No livro, a foto em branco e preto trazia a
visão da montanha ao fundo da mesma paisagem que a imagem atual traz, sem a
montanha.
Nesta ideia de montanha comida,
montanha furada, terra esburacada sem parcimônia para a produção de materiais
fica a reflexão: vale a pena juntar tantas coisas e ficar sem as montanhas?
Esta cultura que domina, parece prometer um mundo mágico em que é possível ter todas
as coisas e também as montanhas e suas terras. Trata-se da dificuldade em lidar
com a falta e castração próprias do ser humano. E o mais irônico é que no fim
das contas, se não for a montanha, é a terra que terá os homens.