Farol Psicologia - Lins SP

A Farol Psicologia surgiu da idéia de criar um espaço para expor nosso trabalho como psicólogos e pensadores dos dias de hoje.
O farol é nossa inspiração, como um norteador no mar incerto, na incompletude.
Como psicólogos atuamos com as palavras, muitas vezes com o inacessível, e para isso buscamos na psicanálise, na psicologia, nas artes, na poesia, e outras "ciências" respostas, e por que não, mais perguntas.
Quem somos?

Mariana Rosa Cavalli Domingues

Psicologa Clínica e Judiciária
Psicóloga pela UEL, Especializada em Clinica Psicanalítica e Mestre em Filosofia pela UFSCar

@marircd

e
Taciano Luiz Coimbra Domingues

Psicólogo Clínico e Judiciário
Psicólogo pela UEL, Especializado em Terapia de Casal e de Família, Especializado em Terapia sexual e Mestre em Psicologia pela UNESP - Assis.


Rua José Garcia de Carvalho, 70 Lins - São Paulo,
tel.: (14) 99109 - 2016

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

PANDEMIA, TECNOLOGIAS DIGITAIS E ESCOLA


 

Saudações!! Segue a minha proposta de compartilhar ensaios que escrevi durante uma disciplina do doutorado que estou fazendo em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem (UNESP - Campus de Bauru). Nesse texto relacionamos os temas contidos no título.

Pandemia, Tecnologias Digitais e Escola

  Taciano  L. C. Domingues

Estamos no meio de uma pandemia causada pelo vírus Corona e na qual não existe uma previsão do seu término, aliás se isso vai ser possível. O impacto da COVID 19 é tão relevante no momento atual que de acordo com Chwarkz (2020) é o marco histórico para início do século XXI. Morin (2020) reflete que a pandemia colocou várias questões em evidência: relações de poder, ação do homem nas mudanças climáticas, desigualdade social, paradigmas científicos e mesmo a educação escolar.

Não sejamos ingênuos, uma vez que a educação escolar no Brasil já estava com grandes problemas antes dessa crise mundial. O Índice de desenvolvimento da Educação Básica (BRASIL, 2019) em seus resultados em 2019, já estava aquém das suas metas, as quais podemos concordar que são modestas comparadas a outras nações do mundo.

            Contudo na pandemia uma questão se tornou extremamente relevante que é o uso de tecnologias digitais na aprendizagem devido ao fechamento das escolas de forma presencial. Habowski, Conte, Pugens (2020) explanam que tecnologias digitais são celulares, computadores, aplicativos, internet etc. Essa discussão também não é atual, principalmente sobre a sua presença nas instituições de ensino, sublinhamos em 2007, o governo de São Paulo sancionou a Lei nº 12.730 (MILAGRE, 2009) que proibia celulares durante as aulas.

            Entretanto Vercelli (2020) esclarece que essa situação mudou com a COVID 19. Se antes era uma discussão teórica e experimental, ela passou a ser uma prática cotidiana, visto que a transmissão do vírus ocorre no contato físico, não sendo recomendado as “aglomerações em salas de aula”.

            O uso de tecnologias digitais e virtuais na educação escolar suscitam várias discussões entre os profissionais da área, as quais muitas vezes acabam numa ótica maniqueísta (SILVA, 2006), construindo um binômio remoto X presencial; tecnologias digitais X tecnologias tradicionais (material impresso, quadro negro etc.). Não podemos esquecer que as crianças e jovens que estão cursando o ensino fundamental e médio podem ser considerados nativos digitais, os quais construíram relações diferentes com as ferramentas digitais, quando comparados com os imigrantes digitais (VERZONI; LISBOA, 2015, p.459):

 

Os nativos digitais, nascidos nas últimas décadas do século XX e início do século XXI, desenvolveram-se com jogos de computador, videogames, câmeras, reprodutores de música digitais, email, internet e celulares como elementos fundamentais de sua rotina. Por terem nascido na era digital — e por isso expostos desde o início às várias tecnologias —, estes jovens pensam, percebem e reagem de forma diferente em relação aos seus predecessores, os imigrantes digitais.

 

            Sobre qual tecnologia é a melhor na educação escolar, numa perspectiva mais integradora e entendendo a complexidade do ser humano (MORIN, 2007), tanto as tecnologias digitais como as tradicionais são importantes para que a escola cumpra o seu papel.

 

A escola é uma instituição pertencente à sociedade e as tecnologias digitais fazem parte da realidade contemporânea. A educação surge como possibilidade de uma formação cultural problematizadora que articula racionalidade e sensibilidade, na recriação e ressignificação do pensar e agir coletivo (HABOWSKI; CONTE; PUGENS, 2020, P.31).

 

Dessa forma, as tecnologias digitais são interessantes para a redução de custos, deslocamento e mesmo para a diminuição do tráfego nas cidades. Também oferece acesso a informações de forma mais rápida e eficiente, além de permitir que alunos que estão com alguma dificuldade de locomoção possam assistir as aulas de forma remota (HABOWSKI; CONTE; PUGENS, 2020). As aulas presenciais permitem um espaço de socialização e aprendizagem para os alunos através da troca de experiências diretas, promovendo o desenvolvimento de habilidades socioafetivas (COSTA et al., 2016).

Portanto consideramos que nem tanto o remoto e nem tanto o presencial, podemos pensar o ensino híbrido como forma de somar o que era positivo antes da pandemia e o que estamos aprendendo com a pandemia com as tecnologias digitais. Todavia não devemos esquecer que o acesso a essas ferramentas pelos nossos estudantes depende de fatores socioeconômicos, os quais em nossos país, necessitam de transformações urgentes.

 

 REFERÊNCIAS

 BRASIL, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Brasília, DF, 2017.

 COSTA, J. S. S. M. et al. Funções executivas e desenvolvimento infantil: habilidades necessárias para a autonomia. São Paulo: Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, 2016.

 HABOWSKI, A. C.; CONTE, E.; PUGENS, N. de B. Crianças tecnologias: paradoxos educativos. In: HABOWSKI, A. C.; CONTE, E. (orgs.). Crianças e tecnologias: influências, contradições e possibilidades formativas. São Paulo: Pimenta Cultura, 2020. p. 14-42

 MILAGRE, J. A. É legal a proibição de celulares nas escolas do Brasil? Revista Jus Navigandi, v. 14, n. 2128, 2009

MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007. 120p.

 MORIN, E. É hora de mudarmos de via: As lições do coronavírus. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020.

 VERCELLI, L. C. A. Aulas remotas em tempos de Covi-19: a percepção de discentes de um programa de mestrado profissional em educação. Revista @mbienteducação, v. 13, n.2, p. 47-60, 2020.

 VERZONI, A.; LISBOA, C. Formas de subjetivação contemporâneas e as especificidades da geração Y. Revistas Subjetividades, v. 15, n.3, p.457-466, 2015.

 SCHWARCZ, L. M. Quando acaba o século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

 SILVA, M.K. Sociedade civil e construção democrática: do maniqueísmo essencialista à abordagem relacional. Revista Sociologias: Porto Alegre, n. 16, 156-179, jul/dez, 2006.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

CARNALIDADE

Carnalidade

Mariana R. C. Domingues

 

            Interessante notar que o ser humano em seu dia dia, repleto de tarefas e finalidades muitas vezes se esquece de sua realidade corporal. É muito comum pessoas entretidas numa atividade não se darem conta da maneira como se acomodaram numa poltrona e depois ficar com o corpo dolorido... Ah, aí sim vão lembrar de sua existência primordialmente corporal.

            Quando estudamos desenvolvimento humano entendemos que há um processo longo e exigente até que o bebê humano se reconheça em seu corpo, se aproprie dele (Dolto, 1997).

            Merleau-Ponty fala de maneira contundente a condição primeira do corpo vivo de carne e osso, num mundo visto e que vê o tempo todo numa inter-relação constante que os funda.

Meio caminho entre o indivíduo espácio-temporal e a ideia, espécie de princípio encarnado que importa um estilo de ser em todos os lugares onde se encontra uma parcela sua. Nesse sentido, a carne é um ‘elemento’ do ser (MERLEAU-PONTY, 2009).

            O corpo está preso ao tecido das coisas, diz Merleau-Ponty, ele também é sensível para elas, assim como também o é para si.

Cada palpação de uma única mão, embora tenha seu visível e seu tangível, está ligada à outra visão, à outra palpação, de modo a realizar com elas a experiência de um único corpo diante de um único mundo, graças a uma possibilidade de reversão, de reconversão de sua linguagem na delas, possibilidade de reportar e revirar segundo a qual o pequeno mundo privado de cada um não se justapõe àquele de todos os outros, mas é por ele envolvido, colhido dele, constituindo, todos juntos, Sentiente em geral, diante de um Sensível em geral. Ora, essa generalidade que faz a unidade de meu corpo, porque não se abriria elas a outros corpos? [...]. Porque não existiria a sinergia entre diferentes organismos, já que é possível no interior de cada um? (MERLEAU-PONTY, 2009).

            Assim o corpo está no mundo e faz parte dele num complexo vívido e dinâmico. Neste sentido, me faz pensar no momento atual em que vivemos com tantos encontros virtuais em que as pessoas estão diante de câmeras conversando com outros em outro local no mundo, rodeado de coisas que não vemos. Não se compartilha o que está a diante dos olhos de quem olha para a câmera. A experiência carnal de habitar um espaço compartilhado não ocorre. Tivéssemos uma câmera girando incessantemente em 360 graus teríamos uma ideia de onde o outro está inserido e visse versa. Mesmo assim não seria compartilhado. E o pior de tudo é que apenas deixa explícito o fato de que não sabemos mesmo de como é viver no corpo e na realidade do outro.

            Quando Merleau-Ponty aponta a não delimitação dos limites do corpo, no sentido de que fazemos parte de um mundo interligado e comunicado, novamente a situação da pandemia nos coloca a frontal verdade de estar num mesmo planeta respirando na mesma atmosfera passível de uma contaminação global.

Nós nos colocamos tal como o homem natural, em nós e nas coisas, em nós e no outro, no ponto onde por uma espécie de quiasma, tornamo-nos os outros e tornamo-nos mundo (MERLEAU-PONTY, 2009).

            Para finalizar cito uma artista nacional Adriana Varejão, que traz em sua obra a crueza e violência de nossa colonização em diversas obras como nesta a seguir, titulada Losango, 1997.





            Na coleção “Grandes pintores brasileiros”, há um trecho em que a artista relata como foi vivido o encontro com sua obra:

Me voltei para Minas, para suas pequenas cidades históricas, suas montanhas, cachoeiras e pedras, e especialmente para Ouro Preto. Aquelas igrejas eram caixas de joias que guardavam complexas e fascinantes joias carnívoras, capazes de ingerir qualquer elemento alheio, fragmentos dispersos, acumulando-os, deformando-os e integrando-os ao seu universo sagrado (Moraes, M. 2013, p. 20).

            Outras obras da artista tratam da sexualidade e exploram a crueza do ser encarnado literalmente. Moraes (2013) afirma que o trabalho da artista desde o início vem marcado pela presença de dois elementos recorrentes: o azulejo (alusão aos colonizadores europeus) e a carne – claramente anedótica, teatralizada, numa violência muitas vezes chocante de um realidade vivida intimamente por todos – ser corpo.

 



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 



 

DOLTO. F. Quando surge a criança. Campinas: Ed. Papiros, 1997.

MERLEAU-PONTY M. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2009.

            MORAES, M. Adriana Varejão. Coleção Folha. Grandes Pintores Brasileiros. São Paulo: Instituto Itau Cultural, 2013.