Farol Psicologia - Lins SP

A Farol Psicologia surgiu da idéia de criar um espaço para expor nosso trabalho como psicólogos e pensadores dos dias de hoje.
O farol é nossa inspiração, como um norteador no mar incerto, na incompletude.
Como psicólogos atuamos com as palavras, muitas vezes com o inacessível, e para isso buscamos na psicanálise, na psicologia, nas artes, na poesia, e outras "ciências" respostas, e por que não, mais perguntas.
Quem somos?

Mariana Rosa Cavalli Domingues

Psicologa Clínica e Judiciária
Psicóloga pela UEL, Especializada em Clinica Psicanalítica e Mestre em Filosofia pela UFSCar

@marircd

e
Taciano Luiz Coimbra Domingues

Psicólogo Clínico e Judiciário
Psicólogo pela UEL, Especializado em Terapia de Casal e de Família, Especializado em Terapia sexual e Mestre em Psicologia pela UNESP - Assis.


Rua José Garcia de Carvalho, 70 Lins - São Paulo,
tel.: (14) 99109 - 2016

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

CARNALIDADE

Carnalidade

Mariana R. C. Domingues

 

            Interessante notar que o ser humano em seu dia dia, repleto de tarefas e finalidades muitas vezes se esquece de sua realidade corporal. É muito comum pessoas entretidas numa atividade não se darem conta da maneira como se acomodaram numa poltrona e depois ficar com o corpo dolorido... Ah, aí sim vão lembrar de sua existência primordialmente corporal.

            Quando estudamos desenvolvimento humano entendemos que há um processo longo e exigente até que o bebê humano se reconheça em seu corpo, se aproprie dele (Dolto, 1997).

            Merleau-Ponty fala de maneira contundente a condição primeira do corpo vivo de carne e osso, num mundo visto e que vê o tempo todo numa inter-relação constante que os funda.

Meio caminho entre o indivíduo espácio-temporal e a ideia, espécie de princípio encarnado que importa um estilo de ser em todos os lugares onde se encontra uma parcela sua. Nesse sentido, a carne é um ‘elemento’ do ser (MERLEAU-PONTY, 2009).

            O corpo está preso ao tecido das coisas, diz Merleau-Ponty, ele também é sensível para elas, assim como também o é para si.

Cada palpação de uma única mão, embora tenha seu visível e seu tangível, está ligada à outra visão, à outra palpação, de modo a realizar com elas a experiência de um único corpo diante de um único mundo, graças a uma possibilidade de reversão, de reconversão de sua linguagem na delas, possibilidade de reportar e revirar segundo a qual o pequeno mundo privado de cada um não se justapõe àquele de todos os outros, mas é por ele envolvido, colhido dele, constituindo, todos juntos, Sentiente em geral, diante de um Sensível em geral. Ora, essa generalidade que faz a unidade de meu corpo, porque não se abriria elas a outros corpos? [...]. Porque não existiria a sinergia entre diferentes organismos, já que é possível no interior de cada um? (MERLEAU-PONTY, 2009).

            Assim o corpo está no mundo e faz parte dele num complexo vívido e dinâmico. Neste sentido, me faz pensar no momento atual em que vivemos com tantos encontros virtuais em que as pessoas estão diante de câmeras conversando com outros em outro local no mundo, rodeado de coisas que não vemos. Não se compartilha o que está a diante dos olhos de quem olha para a câmera. A experiência carnal de habitar um espaço compartilhado não ocorre. Tivéssemos uma câmera girando incessantemente em 360 graus teríamos uma ideia de onde o outro está inserido e visse versa. Mesmo assim não seria compartilhado. E o pior de tudo é que apenas deixa explícito o fato de que não sabemos mesmo de como é viver no corpo e na realidade do outro.

            Quando Merleau-Ponty aponta a não delimitação dos limites do corpo, no sentido de que fazemos parte de um mundo interligado e comunicado, novamente a situação da pandemia nos coloca a frontal verdade de estar num mesmo planeta respirando na mesma atmosfera passível de uma contaminação global.

Nós nos colocamos tal como o homem natural, em nós e nas coisas, em nós e no outro, no ponto onde por uma espécie de quiasma, tornamo-nos os outros e tornamo-nos mundo (MERLEAU-PONTY, 2009).

            Para finalizar cito uma artista nacional Adriana Varejão, que traz em sua obra a crueza e violência de nossa colonização em diversas obras como nesta a seguir, titulada Losango, 1997.





            Na coleção “Grandes pintores brasileiros”, há um trecho em que a artista relata como foi vivido o encontro com sua obra:

Me voltei para Minas, para suas pequenas cidades históricas, suas montanhas, cachoeiras e pedras, e especialmente para Ouro Preto. Aquelas igrejas eram caixas de joias que guardavam complexas e fascinantes joias carnívoras, capazes de ingerir qualquer elemento alheio, fragmentos dispersos, acumulando-os, deformando-os e integrando-os ao seu universo sagrado (Moraes, M. 2013, p. 20).

            Outras obras da artista tratam da sexualidade e exploram a crueza do ser encarnado literalmente. Moraes (2013) afirma que o trabalho da artista desde o início vem marcado pela presença de dois elementos recorrentes: o azulejo (alusão aos colonizadores europeus) e a carne – claramente anedótica, teatralizada, numa violência muitas vezes chocante de um realidade vivida intimamente por todos – ser corpo.

 



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 



 

DOLTO. F. Quando surge a criança. Campinas: Ed. Papiros, 1997.

MERLEAU-PONTY M. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2009.

            MORAES, M. Adriana Varejão. Coleção Folha. Grandes Pintores Brasileiros. São Paulo: Instituto Itau Cultural, 2013.

  

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