Farol Psicologia - Lins SP

A Farol Psicologia surgiu da idéia de criar um espaço para expor nosso trabalho como psicólogos e pensadores dos dias de hoje.
O farol é nossa inspiração, como um norteador no mar incerto, na incompletude.
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Quem somos?

Mariana Rosa Cavalli Domingues

Psicologa Clínica e Judiciária
Psicóloga pela UEL, Especializada em Clinica Psicanalítica e Mestre em Filosofia pela UFSCar

@marircd

e
Taciano Luiz Coimbra Domingues

Psicólogo Clínico e Judiciário
Psicólogo pela UEL, Especializado em Terapia de Casal e de Família, Especializado em Terapia sexual e Mestre em Psicologia pela UNESP - Assis.


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terça-feira, 30 de novembro de 2021

PSICOTRÓPICOS, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO ESCOLAR


 

Saudações!! A proposta de compartilhar ensaios que escrevi durante uma disciplina do doutorado continua.  Nesse ensaio relacionamos os temas contidos no título.

 

PSICOTRÓPICOS, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO ESCOLAR

DOMINGUES, Taciano Luiz Coimbra

 

O uso de substâncias psicotrópicos pelos seres humanos não é algo recente, existem indícios de seu uso desde a antiguidade. Sodelli (2010) sublinhou relatos antropológicos de várias culturas em que o ser humano procura alterar o seu estado de consciência, utilizando vários métodos: dança, música, privação, dor e poções.

Em seu livro O mal-estar na Civilização, Freud (1996) alegou que estar consciente o tempo inteiro de tudo que acontece ao seu entorno é algo insuportável, portanto, as pessoas constroem saídas para escapar da realidade, entre elas os entorpecentes. Algo bem colocado na música Meu Caro Amigo de Chico Buarque: “muita mutreta pra levar a situação, que a gente vai levando de teimoso e de pirraça, e a gente vai tomando que também sem a cachaça, ninguém segura esse rojão”.

O III Levantamento Nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira (BRASIL, 2017) informou que na faixa etária de 12 a 65 anos aproximadamente 8% da população brasileira já usou maconha e 3,1% cocaína. O uso de drogas legais como analgésicos opiáceos ocorreu em 0,6% e benzodiazepínicos ansiolíticos em 0,4% da população brasileira.

O uso de drogas legais e ilegais também é permeado por interesses econômicos. Leonardi e Matos (2020) comunicaram que no Brasil a indústria farmacêutica vendeu 215 bilhões em medicamentos em 2019. A indústria de Alimentos, que engloba bebidas e exportações, teve o número de vendas três vezes maior. Não podemos esquecer que a produção de drogas ilegais tem um ganho astronômico também.

O uso de fármacos vai além do uso terapêutico ou recreativo. No século XIX, o Império Britânico utilizou o grande poder de dependência do Ópio para possibilitar a entrada comercial no Império Chinês, movimento conhecido como Guerra do Ópio (DUARTE, 2005).

Os psicotrópicos são substâncias que promovem alterações no funcionamento nas vias/redes neurais e podem fomentar mudanças comportamentais, além de causar dependência. Farias e outros (2016) salienta que na sociedade ocidental existe um uso indiscriminado desses compostos com o objetivo de tratar tanto doenças físicas quanto mentais.

O uso irresponsável de psicotrópicos não é restrito a determinada faixa etária. Um bom exemplo dessa afirmação, é o uso do psicoestimulante Cloridrato de Metilfenidato, muito conhecido pelo seu nome comercial Ritalina ou Concerta (CONCEIÇÃO et al., 2019). Segundo os autores, esse composto aumenta a capacidade de concentração através da estimulação da liberação dos neurotransmissores dopamina e noradrenalina.

Esse medicamento é geralmente utilizado para o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, o qual os sintomas são relacionados a desatenção, hiperatividade e impulsividade. Gomes, Gonçalves, Santos (2019) mencionaram que de 2007 a 2014 foi constatado o aumento 775% nas vendas do Metilfenidato. Outra informação importante revelada por esses autores é que muitas crianças estavam tomando essa medicação sem terem sido diagnosticadas com o transtorno acima citado.

 

A Ritalina, nome comercial do metilfenidato, é um psicoestimulante, prescrito majoritariamente no tratamento de crianças diagnosticadas com TDAH. Sendo um estimulante, da família das anfetaminas (como a cocaína), se consumida em certa dosagem, defende-se que auxiliaria no desempenho de tarefas escolares e acadêmicas, pois aumenta a atividade das funções executivas, aumentando a concentração, além de atuar como atenuador da fadiga (SILVA et al., 2012, p.46).

 

            O uso dessa medicação e esse transtorno estão diretamente relacionados ao ambiente escolar. Ribeiro, Viegas, Oliveira (2019) comentam que muitas vezes são os trabalhadores da educação escolar que solicitam a avaliação do aluno em relação a TDAH e o uso metilfenidato. Situação preocupante, uma vez que a escola teria que ser um espaço acolhedor para práticas alternativas de como tratar problemas de comportamento e aprendizagem; e não uma adepta a medicalização sem a busca de tratamentos alternativos, caso realmente diagnósticos sejam confirmados.

            Outra preocupação com do diagnóstico indiscriminado do TDAH e sua medicalização é a produção de estigmas, Fernandes e Denari (2017) narram que pessoas estigmatizadas são compreendidas como frágeis, impotentes, com problemas que causam desvantagem e assim são vistas de forma depreciativa pela sociedade e em desvantagem, “o aluno problema”.

            Nesse ponto, podemos refletir sobre a contradição que se instala. Ribeiro, Viegas e Oliveira (2019) esclarecem que os profissionais da educação escolar esperam que o diagnóstico de TDAH e o uso de metilfenidato auxiliará no processo ensino-aprendizagem, uma vez que esse fármaco “modularia” o comportamento do estudante. Contudo a estigmatização desse aluno poderá promover outras dificuldades que afetaram o processo de ensino-aprendizagem.

  

Referências

BRASIL, Fundação Oswaldo Cruz. III Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira. Rio de Janeiro, 2017.

CONCEIÇÃO, A. P. et al. Uso da Ritalina para o melhoramento acadêmico nos cursos de enfermagem e farmácia. Revista Eletrônica Interdiciplinar: Barra do Garças, v. 11, n.1, 2019..

DUARTE, D. F. Uma breve história do ópio e dos opióides. Revista Brasileira de Anestesiologia: Campinas, v. 55, n. 1, p. 135-146, 2005.

FARIAS, M. S. et al. Uso de Psicotrópicos no Brasil: Uma Revisão da Literatura. Revista Biofarm: João Pessoa, v.12, n. 4, 2016.

FERNANDES, A. P. C. S.; DENARI, F. E. Pessoa com deficiência: estigma e identidade. Educação e Contemporaneidade: Salvador, v. 26, n. 50, p. 77-89, 2017.

FREUD, S. O mal-estar na civilização [1930], In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

GOMES, R. S.; GONÇALVES, L. R.; SANTOS, V. R. L. Vendas de metilfenidato: uma análise empírica no Brasil no período de 2007 a 2014. Revista Sigmae: Alfenas, v. 8, n. 2, p. 663-681, 2019.

LEONARDI, E.; MATOS, J. Industria farmacêutica tem crescimento acelerado. Tecnoblog, 2018.

RIBEIRO, M. I. S.; VIEGAS, L. S.; OLIVEIRA, E. C. O diagnóstico de TDAH na perspectiva de estudantes com queixa escolar. Revista Práxis Educacional: Vitória da Conquista, v. 15, n. 36 p. 178-201, 2019.

SILVA, A. C. P. et al. A explosão do consumo de Ritalina. Revista de Psicologia da Unesp: Assis, v. 11, n. 2, p. 44-57, 2012.

SODELLI, M. A abordagem proibicionista em desconstrução: compreensão fenomenológica existencial do uso de drogas. Revista Ciência e Saúde Coletiva: Rio de Janeiro, v. 15, n.3, p. 637-644, 2010.

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